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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Deus, Esse Desconhecido

Deus é sempre o “outro”, a total alteridade. A voz do seu silêncio é sempre mais forte do que tudo o resto. Falou sempre muito alto a total ausência de Deus. Deus é para nós, mas sempre na sua ausência, porque Deus nunca se dissolve na nossa dimensão.
Na nossa imanência são só possíveis, com a sensibilidade de cada um, representações estéticas de Deus ou da realidade divina, sem que isso nos mostre formas objectivas e absolutas sobre a realidade de Deus. Sim, porque essa realidade mantém-se e manter-se-á sempre para além do homem.
Procuramos nos textos, visões de Deus ou experiências sentidas na obscuridade das inquietações dos percursos de vida densamente vividas.
Preferimos dar voz a esses que expressaram com a vida e com as palavras a face do silêncio e da ausência.
A nossa pesquisa:
S. Paulo: “A Sua realidade invisível - o seu eterno poder e a sua divindade - tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que não têm desculpa” (Rom 1, 20). S. Tomás de Aquino: “Conhece melhor Deus quem confessa que tudo o que pensa e diz fica aquém daquilo que Deus é realmente” (in librum de Causis exposito, osc. X, lect. 6); “(…) não podemos saber o que são estas realidades espirituais, quer por meio da revelação quer pelo conhecimento natural(…)” e citando Dionísio, diz: “O raiar da luz divina ilumina-nos mas envolta numa multidão de santos véus”(…) “(…) Delas sabemos que existem, e não o que são (…)” (Expositio super librum Boetii de Trinitate, q. 6, art. 3, resp. 1-2).
Concílio Vaticano II: “Os mistérios divinos ultrapassam de tal modo a razão criada que, mesmo depois destas verdades terem sido transmitidas por revelação e recebidas pela fé, permanecem, apesar de tudo, cobertas pelo véu da própria fé e envolvidas pela sombra enquanto peregrinamos longe do Senhor, nesta vida mortal. Pois nós caminhamos na fé, não na claridade (Cons. Dogm. De Fide Catholica, cap. IV).
Se olharmos para monumentos sagrados do nosso tempo, à luz do Senhor crucificado e ressuscitado, também descobrimos muita coisa relacionada com experiências vividas e sentidas com profundo amor à existência e ao destino do homem.
Fernando Pessoa: “em qualquer espírito, que não seja disforme, existe a crença em Deus (…). Não existe crença em um Deus definido (…). Chamando-lhe Deus dizemos tudo, porque, não tendo a palavra Deus sentido algum preciso, assim o afirmamos, sem dizer nada (…). Ele, a que, por indefinido, não podemos dar atributos, é, por isso mesmo, o substantivo absoluto” (F. Pessoa/ Bernardo Soares, O Livro do Desassossego).
Sophia de Mello Breyner Andersen: “Não darei o Teu nome à limpidez/ De certas horas puras que perdi, / Nem às imagens de oiro que imagino, / Nem a nenhuma coisa que sonhei” (Antologia, Porto 19985). “Não estás no sabor nem na vertigem/ Que as presenças bebidas nos deixaram. / Não Te tocam os olhos nem as almas, / Pois não Te vemos nem Te imaginamos”.
Fernando Pinto do Amaral: “O meu gosto literário tem tendência para valorizar quase sempre os textos e os autores que escrevem direito por linhas tortas, talvez por senti-los mais radicalmente entregues ao desconhecido de si mesmos, e por isso mais próximos de uma obscura verdade (…)” (A assinatura de Deus, Ler n. 17, 1992, 44).
Herberto Helder: “Esperamos na obscuridade. / Vinde, vós que escutais, vinde/ saudar-nos na viagem nocturna:/ nenhum sol agora brilha, / nem luz agora nenhuma estrela. / Vinde, ó vós, mostrar-nos o caminho:/ que a noite secreta é inimiga, / a noite que fecha as próprias pálpebras. / E eis como a noite inteiramente nos esqueceu. / E esperamos, esperamos, na obscuridade” (H. Helder, Poesia Toda).
Miguel Torga: “Vens, e não sonho mais. / Quebra-se a onda no penedo austero. / E o mar recua, sem haver sinais/ De que te quero. // Não sei amar, ou amo o que me foge. / Já com Deus foi assim, na juventude; / Dei-lhe a paixão que pude/ Enquanto o namorava na distância:/ Depois, ou medo, ou ânsia/ De maior perfeição, / Vi-o junto de mim e fiquei mudo. / Neguei-lhe o coração. / E então, perdi-o, como perco tudo” (M. Torga Antologia Poética, Coimbra 1981, 175). Num dos seus volumes do seu monumental Diário, Torga continua em luta e desgostado: “De alguma coisa me hão-de valer as cicatrizes de defensor incansável do amor, da verdade e da liberdade, a tríade bendita que justifica a passagem de qualquer homem por este mundo”.
Vitorino Nemésio: “Que a minha dor seja um campo de graças/ E tudo o que de belo em voz eu diga/ Puro eco de Alguém; e Tu, que faças/ Ser, cantando, eu só terra e Tu cantiga, …” (Vitorino Nemésio, Obras Completas, II, INCM; 1989, p.296.).
Em jeito de conclusão ficamos com Virgílio Ferreira, que Na Tua Face lê assim: “…reparei que pouco a pouco eu ia passando através de toda a sua face enrugada e divisava através dela como de um vidro sujo a sua face antiga inatingível que estava do lado de lá e não nela, no vidro. (…) Levantamo-nos e de súbito eu vi, eu vi o rosto de Bárbara rejuvenescer, a face lisa de esplendor e imprevistamente era aí que eu repousava, na tua face, na imagem final do meu desassossego”.
JLR

2 comentários:

Graça Pereira disse...

Ás vezes, pergunto-me se eu deixei entrar totalmente Deus na minha vida!Eu, catequista, eu que todos sábados falo em Seu nome a três grupos de crianças e jovens!
Será que Ele trata assim os trabalhadores da sua vinha? Estou cansada!
Senhor
Porque é que a mim
me há-de sempre calhar
a pior parte?
Não entendo
por vezes
a Tua amizade!
Os que não te conhecem
vivem bem
com comodidade.
Fazem planos
ao centímetro
bem delineados
e conseguidos.
E os outros, Senhor?
O teu povo
ainda em cativeiro
esperando sempre
a Tua vinda
de novo...
Que fazes com eles?
Seguram
o mundo
com os ombros
cheios de cicatrizes!!
FILHINHA,NO MEU REINO
ESSES,
SERÃO OS MAIS FELIZES!


Graça

José Luís Rodrigues disse...

Belo, muito belo... Obrigado pelo seu contributo. Uma inquietação importante, que também me inquieta solenemente. Abraço.