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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Chegou ao fim a caridade e a solidariedade?

Em boa hora assisti às duas belíssimas conferências realizadas no âmbito da comemoração do 4º aniversário da CRIAMAR (Associação de Solidariedade Social para o Desenvolvimento e Apoio a Crianças e Jovens). As conferências realizaram-se no dia 10 de Novembro de 2011, no Teatro Municipal do Funchal. A primeira esteve a cargo da Drª Maria Barroso, que fez uma interessantíssima explanação sobre o voluntariado.
A segunda conferência pertenceu ao Padre Feytor Pinto, que se debruçou sobre a solidariedade e do quanto ela é necessária nesta sociedade de egoísmo. Cujo mote foi este, «a solidariedade é uma pedrada no charco», perante esse mar imenso de águas paradas pela doença terrível do egoísmo e da insensibilidade à partilha.
Tendo em conta que me encantou sobre maneira a conferência do Padre Feytor Pinto, farei uma breve partilha convosco dos aspectos que mais me marcaram na sua comunicação.
Começo pela conclusão. A caridade hoje já não existe, porque a caridade estava marcada pela salvação da alma e pela conquista do céu. Neste domínio, corriam-se dois riscos, o primeiro, de a caridade se circunscrever a alguns pobres (a ideia do «meu» pobre era muito forte na prática da caridade) e o segundo risco, alcançados os objectivos não era preciso fazer mais caridade.
Outro dado da conclusão, a solidariedade também já não existe, porque a solidariedade corre também o risco de se reduzir a pequenos grupos e muitas vezes fica circunscrita aos elementos de influência directa de quem está envolvido nessa solidariedade.
Por isso, resta dizer que o que resta é a cidadania, a ideia de que todos somos responsáveis por todos. Daí que devem ser os cidadãos a assumirem a prática do bem comum e se organizarem no sentido de procurarem formas e caminhos que respondam às necessidades dos cidadãos mais desamparados.
Neste âmbito a comunicação em causa segue os seguintes passos:
- Os valores positivos da sociedade actual: igualdade entre homens e mulheres; a consciência para a paz; o progresso e avanço da técnica ao serviço da pessoa humana; nova sensibilidade ética (a sociedade é cada vez mais sensível às aberrações que violem determinados valores).
A face negativa da leitura da sociedade actual: materialismo racionalista (obsessão perante os bens); individualismo subjectivista (a forte influência do «eu» sem se integrar na comunidade); permissivismo (liberdade sem respeito pelo o outro e pelo bem comum); sexualidade redutora (os afectos não existem); economicismo (pensar só em números, no lucro desenfreado… Neste domínio será importante que as empresas se abram à comunidade sem pensar unicamente no lucro).
- Face a este prisma de leitura da sociedade então propõe-se que diante da lógica do TER se enverede pelo caminho do SER; o PODER se converta em SERVIÇO e que a obsessão do PRAZER seja vivido na base do RESPEITO. O mundo contemporâneo precisa de uma sociedade que se enforme nesta base de valores para que seja mais feliz e possa construir um futuro que assenta no BEM-COMUM. Então os valores sociais para o mundo actual se nomeiam assim: a tolerância (respeito pelo outro na sua diferença), a convivência responsável (saber estar e ser dentro da comunidade), o diálogo (aceitar que o outro tem alguma coisa para me dar), a solidariedade (tornar bem vivo e visível o espírito da partilha), a cidadania (cada cidadão tem que assumir que a responsabilidade pelo o outro)… Fica o desafio citado pelo conferencista tirado do pensamento do Padre Ricardi Lombardi, no que diz respeito ao sentido do diálogo, aspecto tão urgente na sociedade actual: «Procura da verdade e o bem para todos no amor».
- Finalmente, dois aspectos: o sentido do ser PESSOA e três momentos evangélicos sobre a solidariedade activa… O ser humano é um ser em projecto (a pessoa tem planos e constrói a vida na base da sua capacidade para delinear etapas e estabelecer planos para levar a vida para diante em função do seu bem e o bem dos outros). O ser humano é um decididor (tem capacidade de fazer opções e escolhas livres). O ser humano é um ser simbolizante (a atenção a um sorriso, uma lágrima, uma palavra, um silêncio, um gesto…). O ser humano é um ser em relação (os outros são um o caminho nas relações que dão sentido à vida e que se tornam elementos essenciais para a descoberta do sentido do ser pessoa). Um ser humano é um ser em crescimento (o ser pessoa constitui-se com a abertura ao crescimento até ao momento derradeiro da vida, a morte). O ser humano é um ser em necessidade (daí se deduz como é importante o espírito de cidadania militante na responsabilidade de uns pelos outros de coração aberto à partida).
- A conferência termina com a referência a três momentos evangélicos de solidariedade cristã. Primeiro, o Samaritano. Neste exemplo, destaca-se a figura do estrangeiro que não olhando a condições abre o seu coração ao outro, cuida dele, salva-o da miséria e da morte. Saliente-se, que o conferencista revela o porquê de o sacerdote não ter acudido ao moribundo caído no canto do caminho, «ia para Jerusalém fazer uma conferência sobre o amor» - disse. Segundo momento, o Paralítico da piscina probática, onde se destaca a atitude de Jesus que dá muito mais daquilo que lhe pedem. A dádiva discreta deve ser sempre muito mais daquilo que nos foi pedido. Terceiro e último momento, o Cego Bartimeu da Porta de Jericó. A sua condição de marginalização é a pior das indignidades. A solidariedade aqui reintegra e faz entrar de novo no seio da comunidade.
Face a esta reflexão ocorre que a sociedade em geral é convocada para juntar vontades e permitir que a solidariedade seja uma expressão forte da cidadania militante de todos os homens e mulheres de boa vontade que não se tranquilizam perante as necessidades prementes que começamos a sentir em todos os quadrantes da sociedade.
JLR

2 comentários:

Graça Pereira disse...

Gosto muito das "ideias" do Padre Feytor Pinto!
Penso que a solidariedade e caridade ainda não morreram...emboram sejam "aplicadas" quase com a etiqueta: individual!
Ao falar aos meus pré-adolescentes sobre a História da Salvação ( a nossa história) Deus criou-a para um povo, uma comunidade e não disse: olha João, a partir de hoje, quero que faças isto e tu, Manuel tens outro trabalho...Não, é em conjunto, que temos de escrever a nossa história...e como eles entendenram tão bem! É no trabalho em comunhão que seremos mais "rentáveis" e mais felizes, sem dúvida. Contei-lhes que, em Moçambique, fui catequista numa prisão e o medo que tive na altura, quando o carcereiro me fechou dentro de uma sala, com não sei quantas voltas das suas chaves e me deixou só com mais de 10 latagões( criminosos, ladrões, violadores...os filhos preferidos do Senhor) para os preparar para o Baptismo! Eu tinha vinte e poucos anos e mostrei-lhes fotos. Vi entusiasmo nos seus olhos...
Lembro-me que quando disse à minha mãe o meu intento, ela exclamou: meu Deus deste-me uma filha completamente louca! E fiz muitas mais loucuras ( e continuo a fazê-las) porque eu sou de um povo que vive em comunidade!
Abraço.
Graça

José Luís Rodrigues disse...

Graça, gostei muito do seu comentário. Tem experiências de vida muito interessantes. Não há melhor catequese do que essa, dar testemunha da vida feita doação, entrega aos outros. A isso chamem-lhe o que quiserem, caridade, solidariedade, cidadania, o que importa mesmo, é que sejam vida feita sangue derramado no amor pelos outros ao modo de Jesus... Bravo. Votos de bom trabalho.